Artigo nº 002 - crônica social

O Metrô: o buraco em que nos enfiamos - 2ª parte

Desci o mais rápido que pude a escadaria e me lembro que fiquei assustado ao ver a ultrapassagem irregular, pela direita, de um rapaz que devia estar a caminho de tirar o pai da forca: o destrambelhado descia a escada saltando, com rara habilidade, de dois em dois degraus, aviltando, pondo no bolso, o fantasma do perigo.

Já na plataforma, graciosas beldades ofereciam jornais com manchetes geralmente nada graciosas: notícias da novela das oito surgem como se fossem fatos da mais concreta realidade; fofocas envolvendo gente famosa se fortificam junto a colunas da mais alta futilidade; a precisão no gol pretende desfazer os tempos inexatos em que se vive, notícias sensacionalistas e corpos mutilados emaranham-se em meio a musas quase nuas em cores e matizes de esplendida brasilidade.

Contudo, o dever profissional e minha determinação de passar ileso pelo turbilhão irracional de ofertas mercantis, obrigaram-me, como bom calculista que penso ser, a posicionar-me no ponto ideal médio de paragem da escorregadia “composição dando entrada na plataforma”. É lógico que me vali das faixas em amarelo coladas ao chão para me situar, mas, evidentemente, sem segui-la de modo dogmático. Elas, aparentemente generosas, informam a todos para que tenham cuidado com o vão situado entre o trem e a plataforma. Como um carro acabara de sair, fiquei posicionado segundo o tipo ideal de parada, após aplicação mental das leis da probabilidade e da estatística aplicada. Em poucos segundos, uma leva de usuários como eu, posicionaram-se frente à maldita faixa orientadora. Mas uma lógica irracional e perversa parece habitar as mentes dos condutores, explorados a metro que são, que parecem querer fustigar os ânimos da massa de carne exaurida obrigada oprimida comprimida a passar por ali, c-o-t-i-d-i-a-n-a-m-e-n-t-e. Parecem querer testar-nos, um a um, sedentos que somos de descansar os esqueletos, nem que seja por uma maldita hora de viagem. Assim, aqueles poucos lugares que ainda restam, pois que o trem já traz os que irão seguir viagem, são disputados com esmero olímpico e desumano.

Naquele dia, entretanto, errei feio o cálculo de minha loteria matinal. O trem parara a dois metros de onde me encontrava. Mas, a galera, feito urubu na carniça, arremessou-se de encontro à porta cerrada. Alguns segundos de suspense são tradicionais nesta hora: como sempre a porta do lado oposto da plataforma se fechou primeiro; uma demora relativizada pelos anseios e pronto. Lá se vai a manada humana a perseguir o nada. Sim, já não havia lugares para se sentar. Já não havia lugares e a disputa se deu pelo costume de ser frenético. De fato, lutou-se pelos melhores lugares em pé, como num aquecimento para a roda viva do capital: nos cantos é possível encostar-se, junto aos ferros que unem o chão ao teto do carro um certo conforto é factível.

Como de costume, saquei da pasta a tiracolo a leitura do dia.

(continua...)

Renato Fialho Jr.