Artigo nº 006 - crônica social

festas coevas ltda. (1)

Sinceramente, é difícil suportar as festas de hoje em dia. Falo sobretudo daquelas contratadas a peso de ouro, com direito comprado a buffet, som, filmagem, fotos, cerimonial, decoração, brindes, mesa de café, aluguéis de vestidos e coisas parecidas. Trata-se de um pacote comercial que, segundo as posses do contratante ou sua determinação em endividar-se, pode tornar-se evento mais ou menos esnobe.
Mas, o detalhe essencial que percebi, após perpassar meia dúzia delas, é que festa virou evento midiático, onde o ambiente é o estúdio e os participantes são os atores, decerto decorativos, é claro, daquele programa falsamente televisivo.
No Brasil atual, onde a mídia tem manipulado as mentes com enorme eficácia e abuso de poder, as festas se transformaram numa espécie de extensão desta ditadura alienante. Sem falar no culto religioso televisivo, assunto que postergo por ora.
As ditas festas - sejam infantis, juvenis ou sei lá o quê - obedecem uma fórmula bastante chata e previsível, isenta do mínimo de bom-senso e racionalidade. E lamento por aqueles que possuem o terrível hábito de considerar “racional” qualquer empresa capitalista!
Mas, como dizia, tais festejos nos inserem num autêntico “reality show”, onde as pessoas comuns são constrangidas a participar de uma série ridícula de eventos em cascata. Um deles é o que chamo de “foto anta por um segundo”, em que a pessoa acaba tendo a sua individualidade adulterada e revelada na hora. Mas há também os salgadinhos, servidos à granel e carregados no “óleo diesel”, sem falar nos doces municiados de glacês transengordurados. Quanto à “música”, há que ter o volume nas alturas e o compromisso de eliminar toda possibilidade de vida social. Afinal, pra que trocar idéias?.
Quanto à música, deve seguir  aquela sequência ditatorial: o pior dos anos setentas, o pior dos anos oitentas, o pior dos anos noventas e, como não podia deixar de ser, culminando com o pior da primeira década do século XXI. E é quando reina, soberano e abundante, o que se arbitrou chamar de 'funk pancadão', ou 'funk proibidão'. Ou ex-proibidão se depender da ALERJ, às voltas com a aprovação de demagógica lei que pretende incluir o acintoso ritmo inclusive nas escolas.
Mas nas tais orgias mundanas, tudo é “pensado” de forma bem boçalizada (e não bossalizada), ao ponto de esvaziar (ainda mais?) a consciência do público "alegre", submetido a um intensivão mercantil que varia de 4 a 6 horas.
Em tudo é possível ver a sombra de Narciso, que renasce em meio às cinzas de holofotes, da lua cheia de espelhos, prateada, a refletir profusão de luzes bêbadas, atiradas aleatoriamente contra o público imerso em fumacenta arena embevecida. Da taça de cristal a desenhar rostos caricaturados conforme a distância até os espelhos sugadores das inúmeras câmeras fotográficas, celulares e filmadoras que paparazam o evento sem prévia autorização, vê-se em tudo a presença ostensiva do grego mitológico, amante da imagem, do subjetivo e do ego.
Em estrelar aparição de realeza, dá-se o culto da mística prismática, que num ato arbitrário e fugaz, quer transfigurar a todos com bravatas. Ser celebridade de slide cuspida no telão cena-a-cena. Tornar-se “diferente”, coisa caricata, foto daquilo que não se é, mas que pela repetição, festa a festa, aprisiona a imagem no mortífero lago de cada ego. “Diferença e repetição!”, já dizia o pós-modernista (eufemismo para neonazista) Gilles Deleuze.

(continua)

Renato Fialho Jr. (JAN/2010)